crónicas de um bibliotecário-ambulante
tropecei
numa Biblioteca Mágica
Ao
longo da minha gesta em busca de serviços bibliotecários sobre rodas, fui
caindo no regaço de muitos projectos que fazem da itinerância a sua razão de
existir e sentir a sua missão de fazer acontecer Biblioteca. Foi assim que tudo
começou!
Um
dia segui a pista, com um nome estranho mas o que era estranho, rapidamente
entranhou-se no mais profundo do meu ser bibliotecário e perdidamente
apaixonado pelas Bibliotecas Itinerantes.
Um
pequeno pássaro preto foi o objecto simbólico que apresentou e introduziu
aquela Biblioteca Itinerante, grafitada e com estranhas formas, algures entre o
desajeitada e a anormalidade estética e aerodinâmica. Estava tão enganado…
quanto a sua graciosidade e nobreza. Estava mesmo muito enganado…
Quanto
mais conhecia, quanto mais lia, quanto mais via, quanto mais aprendia, mais
sentia que aquela Biblioteca não era uma Biblioteca qualquer!
As
Pessoas que faziam acontecer esta Biblioteca, não eram iguais, não podiam ser
iguais.
Os
utilizadores/frequentadores/visitantes só podiam ser diferentes e distintos
naquela força que os impelia a ir, estar, usar, abusar e desfrutar daquela
Biblioteca sobre rodas.
O
primeiro encontro cara a cara, proporcionou-se pela primeira vez no outro lado
da Raya Imaginária apadrinhado pela Família BiblioMovilera Ibérica. Eles dizem
que foi inesquecível. Eu digo, foi uma tatuagem permanentemente desenhada e
pigmentada no fundo daquilo que julgamos ser o nosso mais profundo ser e saber
fazer.
O
segundo encontro foi épico e ao mesmo tempo revelador da pequenez desta bola de
ar, água, terra e algo mais… onde tudo e todos podemos um dia cruzar os
caminhos nos locais mais inverosímeis. Quais são as probabilidades de um
bibliotecário-ambulante de Castelo Branco, em andanças por estradas, terras e
gentes de Proença-a-Nova, ao volante da Bibliomóvel, encontrar nas arcadas da
Praça do Giraldo em Évora o mentor, ideólogo, responsável, amante, dinamizador
desta Biblioteca Mágica que faz das areias do Sahara Ocidental as suas
geografias funcionais e sentimentais? Poucas! Nenhumas! Isso nunca podia
acontecer. Aconteceu!
Fomos
acompanhando mutuamente as alegrias, os desafios, os dramas, os eternos anseios,
as derrotas e vitórias de cada um destes projectos de ir e levar Biblioteca.
Deste lado de cá do Mediterrâneo, um bibliotecário-ambulante por terras do
Pinhal, bebia e sorvia o exemplo daqueles que em condições impossíveis iam construindo
do nada, apenas e só com aquela Vontade de fazer acontecer, o Quase Tudo. Esse
Quase Tudo dá pelo nome de Bubisher : Biblioteca Itinerante dos campos de
refugiados do Sahara Ocidental - http://www.bubisher.org/.
Uma Biblioteca que leva o sopro da Liberdade a uma terra sem povo e a um povo
sem terra.
O
ano 2016 é de celebração para a Bibliomóvel de Proença-a-Nova, cumprem-se dez
anos desde aquele dia 26 de Junho de 2006, em que numa tarde muito quente
cumprimos aquela que seria a primeira andança deste binómio Homem/Maquina que
todos os dias faz acontecer Biblioteca Pública sobre rodas.
A Festa aconteceu! Foi uma Festa bonita!
À
Festa vieram Amigos/Companheiros/Camaradas/Irmãos desta enorme Família
BiblioMovilera que atravessa Rayas Imaginárias um pouco por todo o planeta.
Entre esses participantes estava aquele Homem alto, com barba e cabelo de um
perfeito alvo que contrastava com a pele tisnada pelo sol do deserto onde cada
ruga é uma duna, cada sulco de pele uma lomba dos caminhos tortuosos do deserto
da Sahara. É o Gonzalo Moure!
O
Gonzalo e o Bubisher ensinaram-me que uma velha máxima aprendida em redor de
uma fogueira, numa madrugada fria e que nos impele a Resistir, Insistir e Nunca
Desistir de Existir pode e é um combustível social e afectivo de alto rendimento
e um Sonho pode ser concretizado.
O
sonho do Bubisher é daqueles em que todos os dias que passam é mais um dia em
que uma ideia louca (ou não) se transformou e transforma numa linda, difícil, mas
linda realidade onde a ideia de que uma Biblioteca pode fazer a diferença numa
Comunidade é materializada e acontece diariamente.
A noite, daquele dia de aniversário ia alta, as defesas emocionais estavam em baixo, uma despedida que será sempre um: "até ao próximo cruzamento ou curva na estrada", uma oferenda especial e manufacturada especialmente pelas mãos de gente que Resiste, Insiste e Nunca Desistem de EXISTIR nas areias do Sahara Ocidental Livre.
As lágrimas a custo eram barradas, mas em torrente deslizavam pelo rosto. O lenço verde (Zam Saharaui) não mais saiu do meu pescoço naquele fim de Festa e tem-me sempre acompanhado como lembrança de um reencontro. um objecto vivo que irá servir de amuleto e de símbolo de Respeito, Admiração, AMIZADE entre duas pessoas, dois projectos, duas paixões pelas Bibliotecas Itinerantes e pelas Palavras que levam Liberdade a um Povo sem terra numa terra sem Povo.
O Bubisher atravessa um momento difícil, os veículos que constituem a sua frota de mensageiros da Boa Sorte e transportadores da Liberdade encontram-se em fim de vida útil (mecânica e estrutural) pelas duras condições onde diariamente circulam e trabalham.
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