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sexta-feira, junho 08, 2007


Crónicas de um Bibliotecário-Ambulante

Aventuras de Caça

A tarde corria quente e lenta e o barulho do motor abafava o som das cigarras ao longo do percurso. No sitio de sempre, os habituais, sentados no local do costume, esperam…. e esperam….!
Ao longe, descortinam o barulho de um motor que lhes trás as boas novas, a companhia, as conversas banais e triviais, as cores e as formas coloridas, os sabores requintados e tradicionais.
- “ O senhor hoje atrasou-se…!”
- “Peço desculpa…! Na paragem anterior houve mais movimento do que o habitual!”
-“Ah..! tá desculpado! Então o que é trás de novo?...”
Num plano mais afastado, uma figura diferente do grupo habitual sentada numa pedra, enrola um cigarro com a maestria de um profissional de longa data. A aproximação é feita com o cuidado exigido, a saudação sai tímida, deixo no seu regaço revistas de caça e dirijo-me à plateia dos habituais. As conversas, essas vão fluindo, fruto da confiança adquirida. Desvelam-se segredos e confissões do quotidiano de jornas longas de trabalho árduo e preocupações mundanas.
A mudança de registo musical (um “fadinho” cai sempre bem) é aproveitada pelo novo elemento para se juntar ao grupo, senta-se no banco de cimento quente e, de imediato, a língua destrava-se ao mesmo tempo que folheia avidamente aquelas páginas cheias de coelhos, lebres, cães e armas.
-“Rica lebre. Aqui havia muitas...! Muitas mesmo!”
-“Olhe tive uma cadela parecida com esta, ela era melhor caçadora, que muitos que por aí andam!”
-“O senhor ainda caça?”
-“ Não as pernas e os olhos já não me deixam, mas se tivesse essa cadela, ainda lá ia!”
-“Sabe nem era preciso levar arma, ela era tão boa que apanhava coelhos com a boca, quando eles existiam…! Agora tá tudo morto, a malina levou tudo a eito.”
-“Olhe essa cadela levou um tiro de uns gajos, fui eu que a curei, não foi preciso médico nem nada, não ficou como era mas ainda assim era a melhor das redondezas e arredores!”
-“ Ena pá veja só esta perdiz…e este coelho!”
-“A cadela ainda durou mais uns tempos…Mas um dia fui dar com ela morta…Eu desconfio que ma mataram.”
-“Foi como perder um filho, o que eu gostava daquela cadela…! Foi como perder um filho…”
A jornada foi decorrendo ao som da Amália e de histórias de caça e caçadores, entre cigarros enrolados consecutivamente e fumados de forma sequiosa por este novo membro que, com certeza, se tornará visita habitual.

O Papalagui

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