crónicas de um bibliotecário-ambulante
"um dia tens de emprestar livros a F!"
- "um dia tens de emprestar livros a F.!
-
Claro que sim. Ela que venha e escolhemos.”.
As semanas passavam e nem sinal. Num
qualquer dia quente de Verão, época de retornos dos migrantes, que partiram em
busca de novas linhas profissionais e pessoais,a F. surgiu!
Amparada e ladeada por duas
familiares (irmãs), o olhar infantil, ingénuo, terno e deslumbrado ao entrar
dentro da Bibliomóvel destacou-se. Percorreu o exíguo espaço, ainda mais
apertado pelo número de pessoas instaladas e foi avaliando as presenças e as
existências arrumadas nas prateleiras.
-“Este
já li. Estes tenho lá em casa. Gostei muito deste… Gosto muito desta
escritora!”
-
Ela gosta muito de ler! A melhor prenda que lhe podemos dar são livros.”
O tom paternalista das familiares estranhou
mas percebi imediatamente a razão. F. é mulher feita no físico mas juvenil no
intelecto e criança no pensamento e imaginação.
A leitura é um dos seus maiores e
melhores prazeres. Leitora de “clinica geral”, embora prefira romances que
assaltem e revolvam as emoções. Fiquei feliz pela conquista!
Na passagem seguinte, esfregava as
mãos de contente por ter angariado uma nova leitora e uma nova visita para a
“sala de leitura ambulante”. Não apareceu. Perguntei e percebi pela resposta, que
tal se devia á dificuldade de sair sozinha da segurança da sua casa.
Desde aquele dia em que entrou,
visitou a Bibliomóvel e requisitou cinco livros, nunca mais a vi. Nunca mais
falei com ela.
Entregou (mandou entregar) os cinco
livros e disse (mandou recado) que tinha gostado muito de os ler.
Uma solução de engenharia funcional
com vista a satisfação do visitante/utilizador/Amigo precisava-se. Arranjou-se!
Desde aquele dia F. é uma das nossas
melhores leitoras, no volume de requisições e mais fácil de contentar com as
escolhas feitas, muitas vezes de olhos fechados, mas de coração aberto por
saber que nenhuma será rejeitada.
Apesar de nunca ter voltado a entrar
dentro da Bibliomóvel, arranjei um Mercúrio - (deus romano) mensageiro dos
deuses, que solicitamente nunca se negou a protagonizar esse papel especial de
intermediário entre um almocreve das letras e de um dos seus melhores clientes.
Estas mensagens de palavras escritas
e sentidas por outros, são trocadas quinzenalmente ou mensalmente, consoante o
seu ritmo de leitura. Sem obrigações e sem preocupações com datas, fichas de
requisição ou qualquer outro obstáculo burocrático. Nunca preenchi fichas de
requisição e nunca houve oportunidade de fazer o cartão de utilizadora! Mas
existe nos registos funcionais e sentimentais desta Biblioteca.
Esta troca comercial feita de
palavras escritas e sensações de dever cumprido entre três parcelas, separados
entre si mas juntos nesta sinergia de esforços para que se cumpra e faça
acontecer Biblioteca Pública.
- “Um dia tens de
emprestar livros a F.!
-
Claro que sim. SEMPRE!”