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terça-feira, novembro 16, 2021

-“Fuuuuzoossssss!!!” -“Maaaama Suumaeee!!!”

DESCANSE EM PAZ


 
-“Fuuuuzoossssss!!!” -“Maaaama Suumaeee!!!
perdidos nos baús da memória ecoam estes gritos de guerra,motivação e provocação que serviram de apresentação a uma das personagens e uma das Pessoas mais impactantes( e já são algumas) com as quais cruzei caminhos ao longo destes 15 anos. Um Amigo que ganhei, não de sempre mas para Sempre!
A memória é difusa sobre como o conheci mas aquele grito de apresentação com que entrou no “Chapéu de Ferro” tasca e abrigo acolhedor naquelas tardes frias que chamavam por lareira, copo( de algo),côdeas de pão com conduto e “cunbersas”, ficou indelevelmente registado no meu sistema afectivo e fraterno.
-“Fuuzooossss!!” um tom cavernoso e poderoso oleado com a lama de Vale de Zebro ecoa na entrada a que se segue uma resposta:-“ Maaaama Suumae!” uma voz roufenha,alimentada a tabaco, macieira e cacimbo do mato, ecoou em resposta do fundo do balcão.
Um Fuzileiro a dar o ar da sua graça e um Comando a responder à letra, uma luta de galos entre irmãos de armas, um combate sem trincheiras sobre feridas de guerra, perigos esforçados,medos(quase inexistentes),dureza e os métodos de sobrevivência no antes, no durante e no pós guerra.Tudo alimentado a médias,macieira e bagaço.
Apresentações feitas, rápidas e singelas imediatamente a comporta abriu-se de momentos, de histórias de caserna, de recrutas, das putas,do mato,das operações, dos “ filhos da putas”.
Percebi imediatamente que tinha ali encontrado ponto de escuta e que ponto de escuta. Encontro marcado para daqui a 15 dias, 3/4 livros no regaço sobre guerras mundiais e coloniais e não falhou como raramente falhava e invariavelmente os nossos encontros serviam para despejar TUDO, literalmente TUDO e inexplicavelmente a conversa podia ser sobre um qualquer assunto mas a agulha na carta de marear do Sr.Amaro/Sr.Bento(nunca consegui acertar na maneira mais correcta e como ele gostava mais)iria sempre bater nos Fuzileiros antes,durante e depois da Guerra Colonial.
Aquelas primeiras vezes duraram até que um dia a ausência foi mais prolongada e prolongou-se ainda mais, o encerramento da tasca tirou-nos o lugar de encontro e mais tarde vim a saber os excessos abateram a máquina de guerra e levaram-no para um estaleiro de recuperação da embarcação.
Quase um ano depois, por mero acaso num outro poiso reconheci a figura ou melhor ia passando e não a reconhecia, um cumprimento efusivo as perguntas inquisidoras da praxe e as respostas, sinceras e sem filtros como habitualmente: “ estive no hospital a recuperar, um dia estava todo fodido, mesmo todo e meti nos queixos um garrafão de aguardente e foi até meter o dedo…o corpo não aguentou, o pâncreas levou muita pancada!! Mandou-me parar. Eu parei, nunca mais lhe toco!”.
Restabelecido o contacto e organizado a visita ao seu torrão natal à porta de sua casa, um estacionamento provisório e periclitante tornou-se desde então o nosso lugar de encontro,lugar de troca mútua de livros,histórias,estórias e sempre algo mais. Mesmo na sua ausência, havia um código estabelecido para deixar num determinado lugar o saco com a mercadoria e lá estaria o respectivo material de troca,devolvido,lido e bem lido.
Um telefonema, aqueles malditos telefonemas que invariavelmente começam” sabes que morreu!?” e ficamos assim suspensos…e depois caímos umas vezes com menos impacto outras vezes ficamos pregados como uma estaca,imóveis e impassíveis. A Morte não me é estranha e levou-me muito,tanto e parece que ficamos ou vamos ganhando imunidade. Não Vamos! Não Vamos!
Descanse em paz Sr.Amaro/Sr.Bento (nunca consegui acertar na maneira mais correcta e como ele gostava mais)!
O combate final do último bravo do pelotão terminou.

CRÓNICAS DE UM BIBLIOTECÁRIO-AMBULANTE

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