sexta-feira, novembro 23, 2012

talvez sim,sim talvez sim...



crónicas de um bibliotecário-ambulante

talvez sim, sim talvez sim...

As itinerâncias da Bibliomóvel possuem em si momentos e circunstâncias que acarretam alguma incerteza sobre o efeito, ou não nas pessoas com as quais, mais directamente lidamos no nosso quotidiano ambulante.
As visitas aos lares de idosos constituem em si grande parte desses momentos de incertezas e insegurança. Os motivos são diversos e facilmente explicáveis, a institucionalização, o afastamento das suas realidades emocionais, afectivas e familiares, novas regras de socialização, etc.
Numa destas visitas, o espaço habitualmente utilizado para as nossas sessões de partilhas de histórias e estórias de vidas vividas e por vezes sofridas, estava vazio o que me levou a entrar em espaços diferentes em busca dos meus ouvintes e informadores habituais.
No fundo da sala de convívio, um vulto de uma senhora reclama a minha atenção, sentada, cabisbaixa procuro nas suas faces algum reconhecimento, duvido da minha quase certeza em tratar-se de alguém conhecido, mas sim era ela.
A sua aldeia faz parte das andanças da Bibliomóvel desde o primeiro dia e desde o primeiro dia estava habituado a sua presença, ao seu sorriso dourado (literalmente), a sua alegria, misturada com tristeza e saudade quando falava da “sua” África, o entusiasmo com que partilhava sua maestria na maquina de bordados com as suas vizinhas.
Soube a pouco tempo da morte do seu marido e companheiro e por isso não estranhava a sua ausência, no banco de cimento de 15 em 15 dias. Ali estava ela carregando um luto pesado (demasiado pesado), sentada, um pouco alheada do resto, mas ali estava ela.
Procurei chamar a sua atenção, acenei-lhe uma e duas vezes e nada. Aproximei-me dela e cumprimentei-a:
- Bom Dia D.(…)! Como está, não se lembra de mim?
- Não, não estou a ver quem é. Quem é você?
- Sou o Nuno, da “carrinha dos livros”, que levava as revistas das rendas e dos bordados.
- AHHH! Pois é!!!
- As suas vizinhas já me tinham dito que estava por aqui, elas mandam-lhe cumprimentos.
O seu sorriso dourado (literal) reapareceu.
- Mande-lhes um abraço meu, gostei muito de o ver por aqui.
- Eu venho de 15 em 15 dias, aqui ao lar para contar e ler umas histórias, vamo-nos encontrar com certeza.
- Sim, talvez sim,sim talvez sim…

o papalagui

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