crónicas de um bibliotecário-ambulante
talvez sim, sim talvez sim...
As itinerâncias da Bibliomóvel possuem em si
momentos e circunstâncias que acarretam alguma incerteza sobre o efeito, ou não
nas pessoas com as quais, mais directamente lidamos no nosso quotidiano
ambulante.
As visitas aos lares de idosos constituem em si
grande parte desses momentos de incertezas e insegurança. Os motivos são
diversos e facilmente explicáveis, a institucionalização, o afastamento das
suas realidades emocionais, afectivas e familiares, novas regras de
socialização, etc.
Numa destas visitas, o espaço habitualmente
utilizado para as nossas sessões de partilhas de histórias e estórias de vidas
vividas e por vezes sofridas, estava vazio o que me levou a entrar em espaços
diferentes em busca dos meus ouvintes e informadores habituais.
No fundo da sala de convívio, um vulto de uma
senhora reclama a minha atenção, sentada, cabisbaixa procuro nas suas faces
algum reconhecimento, duvido da minha quase certeza em tratar-se de alguém
conhecido, mas sim era ela.
A sua aldeia faz parte das andanças da Bibliomóvel
desde o primeiro dia e desde o primeiro dia estava habituado a sua presença, ao
seu sorriso dourado (literalmente), a sua alegria, misturada com tristeza e
saudade quando falava da “sua” África, o entusiasmo com que partilhava sua
maestria na maquina de bordados com as suas vizinhas.
Soube a pouco tempo da morte do seu marido e
companheiro e por isso não estranhava a sua ausência, no banco de cimento de 15
em 15 dias. Ali estava ela carregando um luto pesado (demasiado pesado),
sentada, um pouco alheada do resto, mas ali estava ela.
Procurei chamar a sua atenção, acenei-lhe uma e
duas vezes e nada. Aproximei-me dela e cumprimentei-a:
- Bom Dia D.(…)! Como está, não se lembra de mim?
- Não, não estou a ver quem é. Quem é você?
- Sou o Nuno, da “carrinha dos livros”, que levava
as revistas das rendas e dos bordados.
- AHHH! Pois é!!!
- As suas vizinhas já me tinham dito que estava por
aqui, elas mandam-lhe cumprimentos.
O seu sorriso dourado (literal) reapareceu.
- Mande-lhes um abraço meu, gostei muito de o
ver por aqui.
- Eu venho de 15 em 15 dias, aqui ao lar para
contar e ler umas histórias, vamo-nos encontrar com certeza.
- Sim, talvez sim,sim talvez sim…
o
papalagui
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