Crónicas de um Bibliotecário-Ambulante
Dias de Chuva
Num dia atípico de Maio, inicio o meu percurso, olho para um céu carregado de nuvens prontas a despejar o seu conteúdo e penso:
- “ Talvez se aguente até ao fim do dia!”
A estrada começa. Na passagem da charneca para a montanha, o desígnio natural dita as suas regras e, contrariando as minhas previsões, começa a cair, primeiro umas poucas, depois algumas mais, até se instalar um “chuveirinho” forte e constante que não mostra sinais de abrandamento.
Na primeira paragem do dia, fruto das condições meteorológicas, apenas as “bordadeiras” e ”cozinheiras” aparecem. Lançam-se sobre as últimas revistas recebidas em busca de possíveis novos esquemas, modelos, aromas e sabores que possam dar algum alento a seu dia-a-dia, regido pelas agruras próprias do trabalho camponês:
- “Coisas mai lindas que vossemecê aqui trás…!”
-“ Sim são lindas e saborosas!”
- “ É pena é este tempo!”
- “ Deixe lá enquanto chove, não precisamos de regar e temos mais tempo para aqui vir.”
-“ Realmente há males que vêm por bem!”
Chega a minha hora, tenho de partir. Pelas faldas da serra sigo o meu caminho, sempre com a chuva como companheira até à próxima paragem. O meu habitual parceiro está a minha espera, estaciono, ligo o veículo à rede global e, logo ali, inicia a sua viagem pelo mundo do desporto mundial.
O barulho de um autocarro lembra-me da chegada dos miúdos das escolas que, no regresso aos seus lares depois de um dia a ouvir, ou a fazer que ouvem, os seus mestres de escola, têm aqui um momento de descontracção extra, quer seja na escolha de um livro ou filme para o serão, quer seja na busca do seus limites através da condução desportiva de um qualquer veículo em velocidades furiosas, no ecrã do computador.
Aproxima-se o fim de mais um dia, o barulho de um rodado de metal no asfalto, entrecortado por chamamentos algo raivosos, chama a minha atenção para o exterior da carrinha:
-“Ahh velhaco anda, anda meu ganda velhaco...!”
Uma velha carroça puxada por um grande boi castanho ornamentado por um ostensivo par de chifres, que desafiam toda a lógica aerodinâmica do movimento.
-“Belo animal que tem aí!”
-“É verdade, é belo mas quando não quer andar… não anda mesmo.”
-“ Anda velhaco anda!...”
-“ Sabe lá em casa sempre me lembra de haver bois, por isso arranjei este também!”
-“ Os tractores são mais caros, e não conseguem lavrar as minhas terras, porque elas estão em sítios muito maus de se lá chegar.”.
Uma bela imagem para findar o dia: para completar o ramalhete, os raios de sol começam a despontar por entre as nuvens escuras dando à paisagem uma beleza própria.
Início a viagem de regresso, descendo novamente até à charneca sempre com o sol a aquecer-me o rosto e a alma.
O Papalagui